
Sobre o texto e a montagem original
Bailei na Curva é o exemplar típico de uma experiência bem sucedida, a partir do momento em que se conseguiu captar corretamente as expectativas do público, dando-lhe algo de que ele necessitava ou procurava.
Este é um espetáculo que enriquece o conjunto dos depoimentos que a chamada “geração dos anos 60” tem dado a nossa memória, levando-nos a que não esqueçamos dos episódios vividos e sofridos nestas décadas, o que, por seu lado, nos remete obrigatoriamente a algumas experiências mais remotas, ainda na aurora republicana desta nação, e cujas contradições até hoje insolúveis, justamente tem levado o país a momentos críticos e experiências penosas como estas de que continuamos tentando sair.
Além das reflexões cômicas sobre os anos 70, e das lembranças líricas dos anos 80, Bailei na Curva é uma tentativa de alinhavar todas essas experiências. Para tanto, através de uma estrutura simples – esquetes que se desenrolam no tempo, exatamente ao longo destes 20 anos que o texto aborda- acompanhamos um grupo de crianças, companheiras de uma rua, em suas experiências a partir do golpe de 1964. Como elas viram aquele episódio e como aquele fato teve diferentes repercussões em suas vidas, na medida em que cada uma foi vivendo sua vida, distanciadamente das demais, embora no espetáculo se tenha a oportunidade de completar o trabalho mentalmente, traçando os paralelismos. Aliás, esse espaço-tempo dado ao espectador para preencher os mesmos vazios dos textos rápidos é que, em última análise, terminou sendo o principal aliado do sucesso alcançado pelo espetáculo.
Sem pretendere julgar – acusando ou defendendo – Bailei na Curva acabou funcionando como uma espécie de processo catártico assumido por plateias de idades variadas que, um pouco surpresas, frustradas e curiosas em relação aos rumos que suas próprias histórias assumiram, acabaram por ver as perguntas que faziam a si mesmas, recuperadas nas encenações de Bailei.
O texto idealizado por Júlio Comte é simples, embora consistente. Recupera simultaneamente a memória política e social, mas não exclusivamente através de dados coletivos, e, sim, através de experiências pessoais de segmentos sociais representados pelas personagens.
O acerto de Bailei na Curva se dá na medida em que não existe amargura nas constatações feitas. Ao contrário, chegamos ao final do espetáculo com uma confiança renovada, talvez ingênua, mas uma confiança objetiva: entendemos que não há um destino soberano, mas que o futuro se faz das consequências dos gestos realizados no presente , não só de políticos ou governantes, mas de cada um de nossos pequenos gestos cotidianos.
Adaptado do texto de Antônio Hohlfeldt ( 1984)
Sobre esta montagem (2018/2019)
Esta montagem surgiu como trabalho de conclusão dos alunos do segundo ano do curso de teatro que ministro na Escola de Belas Artes Heitor de Lemos.
Inicialmente, tive muitas dúvidas, se este não era um texto muito datado, com reflexões que já não fossem tão relevantes nos nossos tempos e piadas que já estivessem ultrapassadas e talvez nem fossem entendidas.
Então, resolvi primeiro ler o texto, que eu já havia montado com o Grupo Teatral Cena Um no final da década de 90. Confesso que fiquei surpreso com a atualidade, não do momento histórico, mas especialmente das reflexões feitas pelo texto. Seu frescor me encantou e entedi que certos questionamentos são sempre atemporais, especialmente quando eles não trazem julgamentos ou respostas definitivas.
Além disso, nossa realidade política e social nos atropelou, com tantos retrocessos e, por vezes, com situações que nunca mais imaginaríamos viver outra vez nesse país. E achei que o texto conseguiu ficar ainda mais atual em seu momento histórico, e talvez fosse realmente a hora de revermos esse passado tão recente.
Mas ainda me restava a dúvida sobre o entendimento de certas coisas tão descontextualizadas de nossa geração atual. Resolvi, então, ler o texto junto com os alunos para ver qual o seu entendimento.
E foi então a minha maior surpresa, ao ver a reação emocionada e divertida de alunos na sua maioria nascidos perto da virada do século. E entendi mais uma vez o quanto certas emoções e questionamentos são realmente atemporais. E mais do que isso, de tempos em tempos, são absolutamente necessários.
Luís Henrique Drevnovicz
Esta montagem surgiu como trabalho de conclusão dos alunos do segundo ano do curso de teatro que ministro na Escola de Belas Artes Heitor de Lemos.
Inicialmente, tive muitas dúvidas, se este não era um texto muito datado, com reflexões que já não fossem tão relevantes nos nossos tempos e piadas que já estivessem ultrapassadas e talvez nem fossem entendidas.
Então, resolvi primeiro ler o texto, que eu já havia montado com o Grupo Teatral Cena Um no final da década de 90. Confesso que fiquei surpreso com a atualidade, não do momento histórico, mas especialmente das reflexões feitas pelo texto. Seu frescor me encantou e entedi que certos questionamentos são sempre atemporais, especialmente quando eles não trazem julgamentos ou respostas definitivas.
Além disso, nossa realidade política e social nos atropelou, com tantos retrocessos e, por vezes, com situações que nunca mais imaginaríamos viver outra vez nesse país. E achei que o texto conseguiu ficar ainda mais atual em seu momento histórico, e talvez fosse realmente a hora de revermos esse passado tão recente.
Mas ainda me restava a dúvida sobre o entendimento de certas coisas tão descontextualizadas de nossa geração atual. Resolvi, então, ler o texto junto com os alunos para ver qual o seu entendimento.
E foi então a minha maior surpresa, ao ver a reação emocionada e divertida de alunos na sua maioria nascidos perto da virada do século. E entendi mais uma vez o quanto certas emoções e questionamentos são realmente atemporais. E mais do que isso, de tempos em tempos, são absolutamente necessários.
Luís Henrique Drevnovicz